Como continuamos nossa série sobre Deus e a Criação, este post irá explorar a compreensão inicial da Creatio Ex Nihilo (Criação do Nada) e Creatio Continua (Criação Contínua ou Criação Contínua). Estes dois entendimentos da relação entre Deus e a criação remontam aos primeiros escritos do Cristianismo depois da vida, morte e ressurreição de Jesus Cristo. Estas teologias são desenvolvimentos sobre a compreensão central da criação encontrada em Gênesis. Aqui está um resumo desses pontos do Novo Dicionário de Teologia.
A Terra
1. A criação inteira foi trazida à existência por um ato livre e amoroso de Deus.
2. Quando exploramos o gênero do Gênesis, não é um livro de história ou ciência, mas é do mesmo gênero das histórias da criação antiga de seu tempo.
3. A criação é fundamentalmente boa e expressa a bondade contínua de Deus para com a criação.
4. Deus não é a fonte do mal, mas o mal é a ausência (ou privação) do bem no mundo.
5. A criação é feita para a pessoa humana e a humanidade é chamada em troca a ser boa mordomo da criação. (O Novo Dicionário de Teologia. Komonchak (editor), (Imprensa Litúrgica 1987). 247-248)
Destes pontos de interpretação vem a nossa compreensão da natureza fundamental da criação e da dependência da criação de Deus. Contudo, uma clara referência bíblica a uma teologia da creatio ex nihilo não aparece até o segundo livro de Macabeus.
Peço-te, criança, que olhes para os céus e para a terra e vejas tudo o que neles há; então saberás que Deus não os fez de coisas existentes. Da mesma forma que a humanidade veio à existência. (2 Macabeus 7:28)
Muito mais poderia ser dito sobre os fundamentos bíblicos da creatio ex nihilo, mas por uma questão de brevidade, eu continuarei a partir deste fundamento. Para nos ajudar a entender a idéia da creatio ex nihilo, precisamos fazer uma pergunta básica de esclarecimento: O que queremos dizer quando usamos a palavra “nada”? Esta pergunta pode parecer simples, mas uma vez que começamos a aprofundar o seu significado, torna-se um pouco mais complicada. Em suma, nada significa literalmente nada. Assim que você coloca um qualificador sobre o termo nada, você então tem algo. Por exemplo, se alguém disser “nada é um vazio no espaço”, essa afirmação deixa de expressar nada porque um vazio ainda é algo. Um vazio implica algum tipo de estado compreensível e de espaço que pode ser definido, portanto não pode ser chamado de nada. Em resumo, nada é muito mais difícil de definir como se pode pensar inicialmente.
Como discuti no meu tratamento do livro de Stephen Hawking “O Grande Desenho”, o Dr. Hawking apresenta uma filosofia de “criação do nada” argumentando que a partir de um estado de universo zero (um estado no qual o potencial de um universo está presente) a lei da gravidade é capaz de explicar como todas as coisas podem vir à existência a partir do nada sem necessidade de um criador (a vinda à existência de um universo a partir de um estado de universo zero). Eu não questiono a ciência por trás do pensamento de Hawking, mas questiono a sua aplicação de termos filosóficos, uma vez que um estado de universo zero, embora lhe falte a existência de um universo, ainda é algo e não é nada. Portanto, a vinda à existência da criação não é uma mudança de uma existência para outra existência. Ao contrário, a criação é a plena vinda de todas as coisas do nada. (Há também problemas fundamentais com a apresentação de Deus por Hawking, mas vamos guardar isso para outro tempo.)
O entendimento da creatio ex nihilo é bem conhecido e abraçado por todos os cristãos da linha principal. Entretanto, o que é menos compreendido é a próxima questão lógica que se segue da creatio ex nihilo: Se Deus criou todas as coisas do nada, Deus criou tudo em um instante ou o ato criativo de Deus é contínuo? Esta pergunta abre a porta para muitas outras questões fundacionais sobre Deus e a criação: Como explicar a existência de novas espécies ao longo da história? Por que Deus permitiria que certas espécies se extinguissem? Como entendemos a mudança no relacionamento com o tempo? E assim por diante. Para nos ajudar a responder a essas perguntas, vamos contar com a ajuda dos Padres da Igreja Oriental e Santo Agostinho.
No que diz respeito aos Padres da Igreja Oriental, dois autores significativos que podemos usar são Clemente de Alexandria (150A.D. – 215A.D.) e Orígenes (184A.D. – 253A.D.). Além de abraçar a creatio ex nihilo, Clemente também introduziu a compreensão de um “ato contínuo de criação” chamado a creatio continua. Esta compreensão foi que o ato de criação de Deus não cessou nos primeiros momentos da existência, mas que o ato de criação é contínuo com as coisas constantemente surgindo. Origen toma esta compreensão da creatio continua e a coloca dentro de um quadro trinitário, desenvolvendo sua teologia de “exitus-reditus” na qual toda a criação vem de Deus (a saída) e finalmente retorna a Deus (o redito). Portanto, nossa compreensão da creatio ex nihilo e creatio continua também inclui uma exploração do porquê das coisas virem à existência, além de explorar filosoficamente como as coisas vêm à existência. Se todas as coisas vêm de Deus e retornam a Deus, então há uma razão pela qual este relacionamento de “sair” e “entrar” existe. Além disso, este ato contínuo da criação nos ajuda a entender que é necessário que certas coisas existam em certos momentos da história. (Exemplo: Há uma razão para eu existir neste ponto da história e não existir no tempo de Jesus Cristo.)
A Galáxia Andrómeda: Imagem que levei com Slooh.com
Por fim, chegamos à Igreja Padre Agostinho. A partir dos fundamentos bíblicos que temos exposto e dos escritos dos Padres Orientais, vemos em Agostinho outro desenvolvimento na nossa compreensão de Deus e da criação. Agostinho afirma que todas as coisas recebem seu ser de Deus, mas também acrescenta uma fascinante reflexão sobre a relação entre o tempo e o universo. Agostinho argumenta que o tempo não tem uma relação espacial com a criação, mas é uma função e uma medida de mudança. Isso me foi lembrado enquanto era entrevistado por Bob Berman, de Slooh. Enquanto discutia os entendimentos científicos e teológicos do tempo, Bob compartilhou comigo que a teoria dominante da física moderna é que o tempo é uma ilusão e que o universo é eterno na natureza. Ao falar sobre esta entrevista com um dos meus alunos paroquianos da Universidade de Wisconsin – Stout, ele acrescentou que o tempo é apenas o estudo da decadência, criando a ilusão do tempo. Não entendo suficientemente bem a física para afirmar definitivamente que esta teoria está de acordo com o pensamento de Agostinho, mas em ambos os casos acho interessante que Agostinho e a física moderna vejam o tempo como uma função de como o mundo muda.
Para concluir, uma diferença chave entre a física moderna e Agostinho é que a compreensão de Agostinho da mudança também implica a mudança de nossas vidas espirituais e nossa relação com Deus. Portanto, o que encontramos na Igreja primitiva é uma exploração tentadora de como e por que as coisas vêm à existência (do ponto de vista filosófico e teológico). Esta mudança não acontece em um momento, mas é um processo contínuo de criação contínua por Deus. Portanto, mais uma vez encontramos na Igreja primitiva uma estrutura clara para argumentar que o desdobramento do plano de salvação de Deus (a Economia de Deus) implica uma mudança necessária no mundo.
No meu próximo post sobre “Deus e a Criação”, vou explorar o pensamento de Tomás de Aquino e como ele toma esses fundamentos e, através da filosofia de Aristóteles, expõe a nossa compreensão de como as coisas vão da potencialidade à atualidade. Por agora, dedique algum tempo e reflita sobre o porquê de Deus o ter trazido à existência. Se você está aqui, Deus o criou por uma razão e um propósito. Qual é a razão e o propósito de sua existência? Enquanto refletimos sobre estas e outras questões, que possamos dar graças pelo dom da nossa vida e, enquanto nos preparamos para devolver esse dom ao Senhor no futuro, que possamos abraçar a mudança de coração que Deus procura realizar em nós e através de nós, continuando a desdobrar-se, para citar Santo Irineu de Lião, a Economia de Deus.
Para preparar a nossa próxima reflexão (em duas semanas) sobre Tomás de Aquino, desfrutem deste vídeo do Bispo Barão, que reflete lindamente sobre os temas que irei abordar na próxima vez.
*Nota: A maior parte desta reflexão é um resumo do Novo Dicionário de Teologia. Komonchak (editor), (Liturgical Press 1987). 247-250