Diagnóstico e tratamento da displasia arritmogênica do ventrículo direito

, Author

1 – Definição

ARVD é uma doença do músculo cardíaco associada a arritmias ventriculares e morte súbita. Caracteriza-se por anormalidades estruturais e funcionais do ventrículo direito causadas pela substituição do miocárdio por tecido gorduroso e fibroso. Os locais de envolvimento das anormalidades anatômicas são encontrados no chamado triângulo da displasia (as áreas subtricúspide do ventrículo direito, o ápice e o infundíbulo)(4).
Displasia aritmogênica do ventrículo direito (DAVD) é uma doença hereditária, tipicamente herdada como traço autossômico dominante com penetração variável e expressão incompleta(1). Existe uma variante autossômica recessiva associada à queratose palmo-plantar e cabelos brancos denominada doença de Naxos.

2 – Prevalência

A prevalência na população geral é de aproximadamente 1:2500 a 1:5000
Porém, dependendo das circunstâncias geográficas, por exemplo, em certas regiões da Itália (Pádua, Veneza) e Grécia (ilha de Naxos), a prevalência é aumentada(2). É responsável por 5% a 10% das mortes cardíacas súbitas não explicadas em indivíduos com menos de 65 anos(3).
Ocorre em adultos jovens com uma proporção de 2,7/1 entre homens e mulheres. Após doença cardíaca hipertrófica, é a causa número um de mortes cardíacas súbitas em jovens.

3 – Diagnóstico

Diagnóstico da DAVD é freqüentemente difícil, pois não há um único teste. O diagnóstico é baseado na presença de fatores estruturais, histológicos, eletrocardiográficos e genéticos de acordo com o Relatório da Task Force de 1994 por McKenna et al (5) (tabela 1) e uma modificação da Task Force por Homid et al (6) (tabela 2) para aumentar a sensibilidade diagnóstica dos membros da família de primeiro grau para detecção precoce da doença.

A) História clínica
Primeiro de tudo, vamos começar com a ferramenta mais fácil, ou seja, a história clínica.
Apresentação clínica varia de formas assintomáticas a palpitações, fadiga, síncope ou mesmo parada cardíaca, geralmente durante o exercício. Estes sintomas são devidos a batimentos ventriculares ectópicos, taquicardia ventricular sustentada de configuração de bloqueio de ramo esquerdo ou insuficiência ventricular direita(4).

Podemos identificar quatro estágios na história natural desta doença(7):
a) a fase precoce ou silenciosa, é uma fase subclínica com anormalidades estruturais ocultas
b) a fase instável com distúrbio elétrico
c) a fase de falência ventricular direita
d) a fase final com falência biventricular progressiva, imitando cardiomiopatia dilatada

B) Teste diagnóstico
1.- Eletrocardiograma

Existem várias características do ECG no critério diagnóstico da DAVD:
a) Inversão de onda T em V1 até V3 (critério diagnóstico menor, mas uma das anormalidades mais comuns do ECG presente em 85% dos pacientes (8)
b) Duração do QRS = 110 ms em V1 até V3
c) Onda Epsilon (potenciais elétricos após o término do complexo QRS). É um importante critério diagnóstico encontrado em até 30% dos casos de DAVD.

Outros marcadores de ECG de DAVD foram relatados: Dispersão QRS e QT, bloco parietal definido como uma duração QRS nos eletrodos V1 até V3 que excede a duração QRS no eletrodo V6 em > 25 ms, uma ondulação S prolongada em V1 até V3 = 55 ms (foi visto como a característica mais prevalente do ECG em 95% da ARVD8

2.- Imagem miocárdica

2.1 Ecocardiografia

É a técnica de imagem não invasiva mais utilizada, mas nem sempre é a melhor técnica de imagem em pacientes obesos e em pacientes com enfisema pulmonar.
A ecocardiografia é a abordagem diagnóstica inicial em pacientes suspeitos de ter DAVD. Os principais achados são (9):

– dilatação do ventrículo direito e hipocinesia
– dilatação isolada da via de saída do ventrículo direito
– aumento da refletividade da banda moderadora
– aneurismas diastólicos finais
– acinesia-discinesia do segmento inferobásico e ápice do ventrículo direito
– trabéculas apicais proeminentes

2.2 Angiografia de contraste do ventrículo direito

Esta técnica é considerada o padrão de referência para o diagnóstico da DAVDVD (10). Consiste em áreas acinéticas-discinéticas localizadas no triângulo anatômico da displasia. Entretanto, devido a uma técnica invasiva, a exposição aos raios X, a variabilidade interobservador, este método não é amplamente utilizado (9).

2.3 Tomografia computadorizada

A tomografia computadorizada é capaz de diagnosticar pacientes com DAVD. 11, foram os primeiros a demonstrar uma hipocinética dilatação do ventrículo direito em um paciente com DVRA.
A localização da DAVD na tomografia computadorizada com feixe de elétrons é7:

– a presença de gordura epicárdica ou depósitos de gordura intramiocárdica
– trabeculações conspícuas com baixa atenuação
– ventrículo direito hipocinético dilatado
– aparência em vieira da parede do ventrículo direito

A tomografia computadorizada não é a modalidade de imagem opcional para triagem inicial devido à alta carga de radiação.

2.4 Ressonância magnética cardiovascular

Ressonância magnética (RM) é uma excelente ferramenta para visualização do ventrículo direito, permite uma avaliação tridimensional da anatomia ventricular, volumes e quando comparada com outras técnicas pode reconhecer melhor a substituição do tecido gorduroso e fibrogorduroso do miocárdio, embora a infiltração de gordura no ventrículo direito não seja exclusiva da DAVD, pois ocorre em mais de 50% dos corações normais de pessoas idosas. Entretanto, a presença de reposição de gordura transmural ou diluição difusa do miocárdio do ventrículo direito deve ser considerada um critério importante para o diagnóstico de DVRA.

RM também pode ser utilizada para avaliar tanto a função sistólica quanto a diastólica. Vários estudos têm abordado a presença de disfunção diastólica do ventrículo direito como marcador precoce da doença (12)
Os critérios típicos que podem ser demonstrados com a RM são:
– presença de áreas de alta intensidade de sinal indicando a substituição do miocárdio por gordura (critério maior)
– substituição fibrogordurosa que leva a dilatação difusa do miocárdio ventricular direito (critério maior)
– aneurisma do ventrículo direito e via de saída do ventrículo direito (critério maior)
– dilatação do ventrículo direito e via de saída do ventrículo direito (quando grave, critério maior)- anormalidades regionais de contração (critério menor)
– disfunção sistólica global (critério maior) e disfunção diastólica global (critério menor)

Ressonância magnética cardiovascular fornece critérios anatômicos, morfológicos, funcionais e fluxodinâmicos importantes para o diagnóstico da DAVDVD, embora o diagnóstico da DAVD deva ser feito com base nos critérios da Task Force e não apenas em anormalidades estruturais.

2,5 Biópsia endomiocárdica

O diagnóstico histológico é definitivo, porém a biópsia endomiocárdica é controversa devido à natureza segmentar da doença e as amostras são geralmente obtidas a partir do septo (13). Complicações podem ocorrer, como tamponamento e perfuração.

4 – Manejo de pacientes com DVRA

Antes do tratamento, temos que conhecer os preditores de mortalidade e estratificação de risco. O estudo de Hulot et al (14) constataram que pelo menos 1 episódio de taquicardia ventricular obstrutiva do feixe de varo esquerdo, sinais clínicos de insuficiência ventricular direita e disfunção ventricular esquerda estavam associados a mortes cardiovasculares.
O problema é que o aparecimento da morte súbita não está relacionado à progressão da doença e a morte súbita pode ser a primeira manifestação da doença.

1.- Drogas antiarrítmicas

Antiarrítmicas são a terapia inicial e mais comumente utilizada. Os agentes bloqueadores beta-adrenérgicos são recomendados para reduzir a arritmia estimulada adrenérgica.
A droga de maior sucesso é o sotalol. O sotalol foi mais efetivo que os agentes beta-bloqueadores ou amiodarona em pacientes com taquicardia ventricular induzível e não induzível (TV) administrada em doses que variam de 320 a 480 mg/dia (o sotalol preveniu a TV durante a estimulação ventricular programada em 68%, enquanto amiodarona 26% e classe Ia e Ib 5,6% e classe Ic apenas em 3% dos pacientes). (15).

2.- Ablação do cateter

Ablação por radiofrequência (RF) é utilizada em casos de refratariedade/intolerância a drogas ou taquicardia ventricular incessante. O objetivo da ablação por radiofrequência é eliminar as vias de condução. Está associada com sucesso completo em apenas 30 a 65% dos casos. Devido à natureza progressiva e difusa da doença, é difícil abolir focos arritmogênicos múltiplos16,
O substrato patológico é registrado durante o estudo eletrofisiológico como um sinal endocárdico fracionado de baixa amplitude, refletindo a diminuição da velocidade local de condução endocárdica7.

3.- Terapia com cardioversor-desfibrilador implantável

Patientes considerados de alto risco para morte súbita cardíaca devem receber um cardioversor-desfibrilador implantável (CDI). São aqueles que 1) foram ressuscitados da parada cardíaca com histórico de síncope, 2) têm arritmias ameaçadoras que não são completamente suprimidas pela terapia medicamentosa antiarrítmica e 3) com histórico familiar de parada cardíaca em parentes de primeiro grau (prevenção primária).
As DIC funcionam fornecendo estimulação antitaquicárdica e choques de desfibrilação quando ocorrem arritmias.
A terapia de DIC é viável e segura em pacientes com DRAVD com baixa incidência de complicações a curto e longo prazo. Esta ferramenta tem um papel importante no tratamento das arritmias ventriculares, mais de três quartos dos pacientes com DAVD receberam terapia apropriada com CDI durante uma média de 3,5 anos de seguimento (17)
No entanto, pode haver complicações da terapia com CDI como resultado da substituição do miocárdio do ventrículo direito por gordura e tecido fibrótico. Estas incluem perfuração causada pelo afinamento da parede do ventrículo direito, dificuldade na colocação do eletrodo em amplitudes inadequadas da onda R ou altos limiares de estimulação, sensoriamento ou estimulação inadequada durante o acompanhamento resultante da progressão da doença e falha em terminar as arritmias ventriculares com limiares de desfibrilação crescentes (18).

4.- Tratamento da insuficiência cardíaca

Quando a insuficiência ventricular direita ou biventricular aparece, o tratamento consiste na terapia atual para insuficiência cardíaca, incluindo diuréticos, agentes beta bloqueadores, inibidores de enzimas conversoras de angiotensina e anticoagulantes.
Terapia curativa em caso de insuficiência cardíaca congestiva refratária e/ou arritmias é o transplante cardíaco.

Figure 1. Registro de uma onda epsilon pós-excitação (setas) em eletrodos precordial direito.

Figure 2. Gravação de 12 eletrodos de ECG de TV com morfologia de bloco de ramo esquerdo

Tabela 1. Critérios para diagnóstico de displasia do ventrículo direitoI Disfunção global e/ou regional e alterações estruturais

>

Maior Dilatação severa e redução da fração de ejeção do ventrículo direito sem (ou apenas leve) comprometimento do VE
Aneurismas localizados do ventrículo direito (áreas acinéticas ou discinéticas com abaulamento diastólico)
Dilatação segmentar severa do ventrículo direito
Menor Dilatação global do ventrículo direito e/ou redução da fração de ejeção com ventrículo esquerdo normal
Dilatação segmentar leve do ventrículo direito
Hipocinesia regional do ventrículo direito

II Caracterização do tecido das paredes

>

Maior Substituição fibrogordurosa do miocárdio na biópsia endomiocárdica

III Anormalidades de repolarização

Menor Ondas T invertidas em cabos precordial direito (V2 e V3) pessoas com mais de 12 anos de idade; na ausência de bloqueio de ramo direito

IV Despolarização/ anormalidades de redução

Maior Ondas Epsilon ou prolongamento localizado (>110 ms) do complexo QRS em cabos precordial direito (V1-V3)
Minor Potenciais tardios (ECG de sinal médio)

Arritmias V

Minor Bloqueio de ramo esquerdo tipo taquicardia ventricular (sustentado e não sustentado) (ECG, Holter, teste de exercício).
Exístoles ventriculares frequentes (mais de 1000/24h)

VI História da família

Maior Doença familiar confirmada na necropsia ou cirurgia
Menor História familiar de morte súbita prematura (< 35 anos) devido a suspeita de displasia ventricular direita.
História familiar (diagnóstico clínico baseado no presente critério)

Tabela 2. Proposta de modificação da Task Force para o diagnóstico da DAVD familiar

DAVD em parente de primeiro grau mais um dos seguintes:

>

1.- ECG Inversão da onda T em condutores precordial direito (V2 e V3)
2.- SAECG Potenciais tardios vistos no ECG de sinal médio (SAECG)
3.- Arritmia LBBB tipo VT no ECG, monitorização Holter ou durante o teste de exercício.
Extrasístoles > 200 durante um período de 24 horas
4.- Anormalidade estrutural ou funcional do VD Dilatação global leve do VD e/ou redução do EF com VE normal
Dilatação segmentar leve do VD
Hipocinesia regional do VD

O conteúdo deste artigo reflete a opinião pessoal do(s) autor(es) e não é necessariamente a posição oficial da Sociedade Européia de Cardiologia

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado.